Por Isadora de Andrade Guerreiro
Foi lançado no último dia 12 de setembro o “Mapa Histórico dos grupos armados do Rio de Janeiro”, realizado pelo GENI-UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos) e pelo Instituto Fogo Cruzado. O relatório indica, entre 2006 e 2021, um enorme crescimento do controle por grupos armados da área metropolitana urbana habitada do Rio de Janeiro (131,2%, de 8,7% para 20%), que disputam prevalência de seus métodos – sendo as milícias, em relação às facções, o grupo que desponta como fenômeno mais relevante atualmente.
Segundo o relatório, as milícias tiveram crescimento de domínio territorial de 387,3% (de 52,60Km² para 256,28Km²) e populacional de 185,5% (de 600.813hab para 1.715.396hab), passando de 23,7% para 49,9% da área total controlada por grupos armados na Grande Rio, e de 22,5% para 38,8% da sua população. No mesmo período, o Comando Vermelho (CV) – mesmo também tendo crescido territorialmente 58,8% e 41,7% em população sob seu domínio –, reduziu em 31,2% sua participação sobre o total das áreas controladas (de 58,6% para 40,3%) e 14,2% da população (de 53,9% para 46,2%). Atualmente, portanto, as milícias são o grupo que detém a maior área sob seu domínio, enquanto o Comando Vermelho ainda permanece controlando uma maior população (como vemos nos gráficos abaixo). Essa situação talvez dure pouco tempo, já que o CV tem dificuldades de crescimento desde 2013, enquanto o vetor de crescimento das milícias tem sido exponencial desde 2017: em apenas quatro anos, elas cresceram territorialmente 117,2% (138,31 km²) e 79,1% (757.653hab) na quantidade de população dominada.
Fiz uma entrevista com Daniel Hirata, coordenador do GENI-UFF e desta pesquisa, trazendo mais elementos para a discussão deste fenômeno tão central para pensarmos e atuarmos no cenário político do país hoje.
[IG] Daniel, o quê são as milícias e as facções no Rio de Janeiro? Como diferenciar sua forma de atuação nos territórios para produzir este mapa?
[DH] Tem uma diferença grande da maneira como o controle territorial é exercido por milícias ou facções do tráfico de drogas. Do ponto de vista mais substantivo, isso diz respeito, sobretudo, à atuação econômica desses grupos: as facções do tráfico de drogas atuam de maneira mais concentrada no varejo das drogas, ao passo que as milícias sempre atuaram em diversos mercados urbanos legais e ilegais. Em um relatório específico, a gente já mostrou que as milícias têm uma relação com a expansão urbana e que, portanto, elas vão atuar nos diversos mercados que a constituem: o mercado imobiliário, o mercado de infraestrutura urbana, mercados de serviços e equipamentos urbanos. Há uma vinculação íntima entre milícias e expansão urbana. E as milícias também atuam no mercado mais importante de todos, que é o de proteção e/ou extorsão – que é um mercado regulador de outros mercados legais ou ilegais, formais ou informais. É um mercado decisivo porque diz respeito a quem pode participar desses mercados, sobre a presença de diversas empresas, grupos, etc. E também sobre a taxação quando da presença desses atores econômicos. Por fim, tem outra diferença bastante forte – que está ligada aos mercados de proteção e/ou extorsão – que são as vinculações políticas das milícias, que também são muito mais intensas do que aquelas do tráfico de drogas, com relação a diversos agentes públicos. Muito se fala de policiais, mas há uma série de outros agentes públicos que também são importantes para a construção desse modelo econômico e político das milícias: pessoas que trabalham na fiscalização e implementação da expansão urbana e que – fazendo ou não parte organicamente das milícias – acabam possibilitando a atuação extrativista e predatória delas nesses mercados urbanos.
Então no momento que nós fizemos tanto a etapa de classificação das denúncias, como também de plotagem dessas classificações – e, portanto, validação do controle territorial armado – essas diferenças foram levadas em conta para que a gente pudesse entender o que é controle territorial em cada um desses casos, e também conseguir apontar com mais clareza quem controla aquela área, aquela população. Uma diferença, por exemplo: dentre as classificações que nós utilizamos – empreendedorismo violento e não-violento, presença, controle, uso da força – a gente percebe que as milícias atuam muito fortemente no que a gente chama de “empreendedorismo violento” – que são essas práticas de extorsão – ao passo que o tráfico, menos. Contudo, a gente teve que fazer uma ponderação sobre o tipo de área de atuação de cada grupo: as milícias têm uma tendência de atuar mais fortemente no “asfalto” – como a gente fala aqui no RJ – do que as facções do tráfico de drogas. Então houve uma ponderação nesse sentido também: foi muito importante para a gente garantir uma precisão maior para este mapa, pensando não só no que há de comum do controle territorial, mas também as diferenças entre esses grupos armados.
[IG] Sobre este ponto, vocês diferenciam o dito “asfalto” – bairros e sub-bairros –, mais controlado pelas milícias, do “morro”, composto por favelas e conjuntos habitacionais, que seriam mais controlados pelas facções. Primeiro gostaria de entender por que na metodologia de vocês os conjuntos habitacionais estão classificados como “morro”, e não como asfalto. Depois, queria que você falasse mais desta diferença de atuação dos dois grupos. O que ela significa?
[DH] Tem diferenças que a gente encontra dentro da cidade do Rio de Janeiro e da Região Metropolitana: são formas de assentamento muito distintas. A Zona Sul é muito marcadamente dividida entre favelas nos morros e bairros mais ricos na “pista”, enquanto essa divisão não é tão nítida, por exemplo, na Zona Oeste ou na Baixada Fluminense – onde há um padrão de assentamento que é mais “periferia”, menos favela. Pensando a elaboração do projeto piloto em 2020, vimos que tínhamos que dar conta dessas diferenças. Então essa categoria de “sub-bairro” foi importante – e isso quem criou foi a equipe da professora titular Carla Madureira, engenheira cartógrafa da UFRJ, que tem muita experiência na construção dessas bases cartográficas. Então isso foi uma etapa: criar as diferenças entre os “sub-bairros”, conjuntos habitacionais e favelas para dar conta de formas de organização do espaço urbano que são bastante diferentes dentro do RJ mesmo. Quando fizemos as primeiras prospecções com os resultados que o mapa apresentou, percebemos que havia muito mais semelhança no padrão do controle territorial entre conjuntos habitacionais e favelas do que em relação aos “sub-bairros”.
Tem a ver justamente com a pergunta anterior: as formas do exercício do controle territorial. Havia um padrão muito próximo entre favelas e conjuntos habitacionais, e bastante diferente nos “sub-bairros”. Então a gente começou a trabalhar essa junção e chamar de “morro” as favelas e conjuntos habitacionais, e os “sub-bairros” de “pista”. Isso tem a ver, em primeiro lugar, com as formas diferentes do exercício do controle territorial; e em segundo lugar com uma questão que emergiu dessa primeira passagem analítica sobre os dados, que é o fato das milícias crescerem em algumas regiões ao mesmo tempo do que o tráfico de drogas, mas a gente percebia que eram em localidades diferentes. A Zona Norte do RJ ou a Baixada Fluminense têm um crescimento tanto do Comando Vermelho, como também das milícias. Mas esse crescimento se faz em áreas diferentes e, portanto, de maneiras diferentes também. Você pode ter convivência – não harmônica, evidentemente, mas co-presença, digamos assim: na “pista”, milícias, e, no morro, as facções do tráfico de drogas.
Isso é interessante, pois um dos resultados do mapa indica justamente que as milícias se expandiram sobretudo para áreas onde não havia anteriormente controle territorial armado. Ou seja, o modelo de atuação delas permite que elas avancem nesses lugares – a Zona Norte e a Baixada, onde isso é mais característico, onde as milícias cresceram no “asfalto” e o Comando Vermelho e outras facções se mantiveram ou até se expandiram em conjuntos habitacionais e favelas. Essa dinâmica nos ajuda a formular algumas hipóteses sobre a maneira como territórios e populações são controlados por estes grupos, pois seu tipo de atuação é diferente. A atuação das milícias tende a ser, na pista, por exemplo, menos ostensiva – e isso não significa que ela seja menos presente. O que quero dizer é que você não vai encontrar em certos lugares a presença de fuzis, como é muito comum em muitas favelas do RJ: você começa a subir e já começa a ver pessoas fortemente armadas. As milícias não atuam desta maneira, mas elas estão ali e estão exercendo influência, as pessoas sabem que elas estão ali, sabem que estão sendo monitoradas, sabem que tem que pagar o “arrego” – como se chama aqui no RJ essas práticas de extorsão. Com relação ao mapa de 2020, a gente tentou baixar a escala analítica, diferenciá-la, para a gente conseguir ser mais preciso no entendimento dessa dinâmica mais geral.
[IG] O mapa produzido por vocês indica uma concentração do CV na Zona Sul e central do RJ, além do leste da Grande Rio, com Niterói e São Gonçalo; enquanto as milícias se concentram na Zona Oeste do RJ e se expandem rapidamente na Baixada Fluminense e zona norte da capital. Há alguma correlação desta territorialização com a disposição de classes sociais nas cidades? É possível fazer uma generalização de que as milícias estão nas regiões mais pobres – embora atuem no “asfalto” – e as facções nas mais ricas – embora atuem nos “morros” –, predominantemente, pelo menos no município do RJ? Se sim, por que isso se daria? Não poderíamos pensar que a necessidade do mercado consumidor do tráfico de drogas o faz estar mais próximo das classes mais ricas – e, portanto, essa localização mais próxima da Zona Sul e no centro –, enquanto as milícias, como têm seu negócio na expansão urbana, estão mais na Zona Oeste – que é a zona que está se expandindo?
[DH] Sua pergunta é excelente, acho que é uma ótima hipótese, sim. Mas ela exigiria um esforço que a gente vai ter que fazer ainda nas análises mais pormenorizadas, pensando essas diversas escalas. Têm questões fundamentais que são a própria história urbana, a história social e política, a história criminal também. Uma coisa que eu poderia te dizer é o seguinte: a Zona Sul e o centro representam uma parte muito pequena do conjunto da Região Metropolitana. Elas acabam tendo uma exposição muito grande e a gente imagina aquilo como padrão do RJ, mas se a gente pega a porcentagem da superfície territorial habitada da Zona Sul e do centro, ela é próxima de 10% da capital, é muito pouco. Ao passo que a Zona Oeste corresponde a praticamente 63% da superfície habitada. Então essa visão global ajuda pelo menos a entender esses padrões que não são evidentes, dado o conjunto de pesquisas que foi feito até hoje – que se concentrou muito mais na Zona Sul e no centro do que em outros espaços. Temos agora no RJ muitos urbanistas, sociólogos urbanos, arquitetos, etc. que estão trabalhando na Zona Oeste – passou-se a fazer mais pesquisa ali e na Baixada Fluminense. No leste metropolitano tem menos. Seguindo nossos colegas que estão com pesquisas mais qualitativas e com maior intensidade no entendimento do mecanismo de construção do espaço urbano, dos grupos armados, enfim, da maneira como esses espaços foram sendo construídos, a gente consegue avançar nesse entendimento.
Voltando a sua segunda pergunta: a grande área de domínio do Comando Vermelho – desse ponto de vista mais macro – é o leste metropolitano, que tem uma hegemonia muito grande ali há muito tempo, e nunca foi ameaçada. Pensando no macro, pois a Baixada é importante, a Zona Norte é importante, mas o lugar onde o CV é mais hegemônico é no leste metropolitano. As milícias vêm da Zona Oeste, também da Baixada – apesar do CV ter aumentado sua presença na Baixada durante o período das UPPs – e a Zona Norte é onde elas vão se encontrar. As milícias avançam criando corredores logísticos – certa logística econômica e política, vão criando zonas de influência que vão se conectando. Esses corredores chegaram pelas bordas do leste metropolitano – tem presença de milícia em Itaboraí, enfim, é uma passagem que se faz da Baixada para lá, por Magé – mas ainda não conseguiram avançar sobre São Gonçalo, Niterói, porque ali o CV está muito mais estabelecido. Entender este movimento – essa é a grande diferença em relação a este mapa com a versão de 2020: como temos um mapa histórico, podemos entender processos, e esses corredores logísticos são muito claramente observáveis quando percebemos a expansão desses grupos.
[IG] No relatório anterior do GENI, havia uma hipótese de que existia uma disputa entre CV e milícias por áreas ocupadas, com papel importante das incursões policiais nesta abertura de frentes de expansão miliciana. Neste relatório vocês recuaram em relação a esta hipótese, indicando uma relevância muito maior da expansão de domínio territorial por grupos armados em áreas não ocupadas anteriormente. Isso significa que a hipótese anterior não procede ou que ela tem relevância menor em relação a esta dinâmica de expansão de domínio territorial dos grupos armados?
[DH] Não é um recuo de hipótese. Não trabalhamos ainda, nesta versão do relatório, essa dimensão das disputas. Porque não é muito simples, e achamos que é importante consolidar algumas coisas antes de lançar outras, para não causar mal entendido. As disputas têm dinâmicas bastante específicas. Está sendo importante para esta versão – que é mais precisa do ponto de vista da circunscrição do controle territorial, do entendimento de como funciona, etc. – termos demonstrado que as milícias se expandem, sobretudo, em áreas anteriormente não controladas. Porque justamente o argumento contrário foi muito utilizado desde o início das milícias. Dizia-se – e daí tem várias autoridades que já se pronunciaram, depois voltaram atrás ou não – que as milícias eram uma espécie de anteparo ao tráfico de drogas. Por isso usava-se muito o termo “autodefesa comunitária” – que é o mesmo que se utilizou na Colômbia também, com relação aos paramilitares. Esse absurdo de achar que grupos paramilitares, que vão fazer atuações privadas de segurança, poderiam ser uma solução para o controle territorial armado.
Mas, enfim, isso existiu durante muito tempo no RJ, houve um apoio aberto ou velado de certas autoridades sobre isso e me parece que só depois da tortura dos jornalistas d’O Dia, no Batan, que realmente passou-se a perceber as milícias de uma maneira diferente, ainda que sempre elas tenham atuado de maneira violenta. O mapa me parece que demonstra de forma cabal que as milícias não são um anteparo ao tráfico de drogas – porque elas crescem justamente nas áreas que não tinha controle –, mas sim que elas são um vetor desta lógica do controle territorial em seu conjunto. Os momentos e os lugares que as milícias mais cresceram foram também os momentos e os lugares em que os controles territoriais mais aumentaram. Elas são um vetor do controle territorial armado, fazem parte do problema, não da solução. Por mais evidente que isso possa parecer, acho importante a partir dos dados fazer esta ponderação.
Quando a gente tiver uma camada a mais, que são as disputas entre os grupos armados –disputas entre o tráfico de drogas, ou entre facções e milícias – a gente vai conseguir reorganizar esta hipótese, que para mim é mais do que uma hipótese – de que as operações policiais acontecem preferencialmente nas áreas do tráfico de drogas. Precisamos também avançar no entendimento de se essas operações são sucedidas ou não por mudança de controle territorial. Como são duas etapas de análise ainda – de um lado criar esta camada a mais das disputas entre os grupos armados, e de outro fazer o cruzamento disso com a base do GENI de operações policiais – a gente ainda está processando para ver o que sai dos resultados e ter mais tempo de análise deles também. Sem querer antecipar, mas eu acho que nós vamos chegar em resultados próximos do que a gente já apontou em outros relatórios, no sentido das operações acontecerem preferencialmente em áreas do CV. Resta saber se elas precedem mudanças de domínio de grupos armados e em qual direção elas acontecem. Daí acho que vamos conseguir ter um entendimento bem objetivo sobre esse ponto.
[IG] Vocês indicam uma dinâmica de dispersão do CV em direção à Baixada Fluminense, por conta da política de UPPs na capital, além da ocupação de Niterói e São Gonçalo. O que isso significa do ponto de vista político na relação entre a capital e as outras cidades? Isso pode estar relacionado ao que vocês chamam de “cenário político de disputas interligadas”, o que envolve também as municipalidades? Pois isso se configura claramente como um fenômeno de abrangência metropolitana.
[DH] A dinâmica dos grupos armados não se circunscreve às delimitações administrativas: ela se espalha, atravessa, como várias das dinâmicas urbanas. Ela não é uma exceção nesse caso. Vai conectando territórios que são contidos ou não [na RMRJ], mas que estão relacionados de alguma maneira. No caso da dinâmica específica das UPPs, tem uma coisa que é muito importante, primeiramente: não me parece que uma ocupação militarizada seja uma boa solução para segurança pública, sob nenhuma hipótese. Não acho que esse tipo de política – que tem um histórico aqui no RJ, não começou com as UPPs – seja efetivo para o enfrentamento dos grupos armados.
As UPPs foram planejadas e seguiam o chamado corredor olímpico – que ia da Zona Oeste até o centro da cidade –, garantindo a circulação entre os equipamentos esportivos que estavam sendo construídos, a famosa limpeza social que é coexistente à produção das nossas cidades, remoções, toda essa história. Por outro lado, dirigiu-se a implantação de UPPs para áreas de atuação do CV. Teve só uma UPP que foi implantada em área de milícia que foi justamente no Batan. Uma única UPP, e respondendo a este caso da tortura dos repórteres do Jornal O Dia – uma circunstância bastante específica. Sempre houve aqui no RJ uma hipótese – que vinha, sobretudo, de organizações de direitos humanos, movimentos de base, de favela, etc. – de que com as UPPs teria havido um efeito balão de traficantes que antes estavam nessas áreas onde foram instaladas UPPs e que foram deslocados principalmente para a Baixada Fluminense. E o Mapa Histórico dos Grupos Armados mostra com clareza que esse período de instalação das UPPs é o período que coincide com o aumento da presença do CV na Baixada Fluminense. Ao que tudo indica, houve realmente esse efeito balão, migratório, do CV para áreas da Baixada Fluminense.
Isso mostra duas coisas: primeiro, a ineficácia das UPPs para a diminuição do controle territorial armado – elas espalharam o controle territorial armado em vez de controlar essa dinâmica; e, por outro lado, ainda que não intencionalmente, houve um fortalecimento do grupo sobre o qual recaíram com mais intensidade essas políticas. Ou seja, não se estava enfrentando o CV de forma nenhuma, o que você teve foi uma ampliação do controle territorial desse grupo para outros lugares que não tinham tanta visibilidade. Aí tem dois pontos: o quanto importa pro governo do Estado do RJ a Baixada em relação à Zona Sul, ou o quanto vale a Baixada em relação à Zona Sul? E essa questão que começamos a discutir, que são os fluxos metropolitanos: não dá para você pensar uma política sem ter isso no horizonte. Sem pensar que os processos metropolitanos são de fluxos, funcionam em fluxos, portanto tem que ser planejado de forma conjunta. Não dá para você fazer uma coisa absolutamente centralizada e focalizada, imaginando que aquilo vai ter um resultado sobre o conjunto de uma área e de uma população que está em constante movimento. Isso é uma lição que vale pros grupos armados e para outras várias políticas que abrangem políticas urbanas.
[IG] Qual o significado político de novas áreas passarem a ter domínio territorial armado? Há um recrudescimento da esfera pública democrática a partir da dificuldade de organização das bases nos territórios ou ainda pela maior dificuldade de entrada das políticas públicas? Parece haver maior privatização do território e do controle de populações, numa espécie de “condominialização”. Como pensar isso de forma mais ampla, politicamente falando?
[DH] Pergunta muito importante, uma das mais importantes, eu acho. Primeiro em relação a esta “condominialização” impulsionada pelas milícias eu acho que você está totalmente correta. Olhando como as coisas estão sendo construídas nessas áreas de controle territorial das milícias é isso: uma reprodução da lógica do condomínio para as classes populares, o que é muito ruim do ponto de vista de tudo o que a gente entende como importante para a construção do espaço urbano – áreas de convívio, de coexistência, de negociação da presença nos espaços. Inclusive para as questões de segurança também. Lembro que a Jane Jacobs já alertava para isso: quanto mais for feita apropriação do espaço vivido e comum, mais seguros são os lugares. Quanto mais as pessoas se sentem parte do lugar, mais elas estão olhando para as outras, sabem o que está acontecendo. E isso são recursos de organização local muito mais eficientes do que a construção desses espaços de fechamento, cancela, segurança privada etc., que tendem a aumentar o conflito social e, portanto, o crime, a violência etc. Então tem uma questão de qual é a cidade que está sendo construída ao redor dessa milicialização expansiva.
Por outro lado, há também uma dificuldade de imaginar formas associativas nesses espaços de milícia. Coisa que todo mundo que trabalha – não só na área de segurança, todas as áreas que envolvem uma relação de diálogo com essas populações – percebe isso: as áreas de milícia têm dificuldade de ter presenças de movimentos sociais, de organizações independentes desses grupos. As milícias sempre quiseram ter influência, inclusive dentro da associação condominial – a figura do síndico muitas vezes tem relação com esses grupos, para falar num nível bem micro. Mas isso vai se escalando para as associações de moradores, de bairro.
A gente percebe que tem uma reativação do velho clientelismo – a “política da bica d’água” – que faz parte das cidades brasileiras, mas agora temos esse velho clientelismo armado. O velho clientelismo sempre fez essa mediação entre a chegada de serviços e equipamentos públicos e a população do lugar – isso é uma coisa que já está muito estabelecida, contada e recontada em verso e prosa para várias cidades brasileiras, e aqui no RJ não foi diferente. Ao mesmo tempo tem a discussão de que esse clientelismo é um sistema de representação complicado etc. e tal, sabemos quais são as questões envolvidas nisso. Agora, o fato desse clientelismo ter sido atualizado para um clientelismo armado faz muita diferença, no meu ponto de vista. É de outra natureza, porque não se trata só de influência, do jogo político – que sempre foi complicado – mas que agora você tem menos espaço de contestação quando esse clientelismo passa a ser armado. Isso é um fenômeno que vamos ter que encarar daqui pra frente, entender como a gente desativa isso, porque fica muito complicado qualquer organização se opor a alguém que está portando uma arma e você sabe que pode, no limite, matar.
Isso se expressa muito claramente nas dificuldades que agora ficam mais evidentes nesse período de eleição – de outros candidatos entrarem nesses lugares, e até da violência política, assassinato de candidatos etc. –, mas o problema está além e aquém. Ou seja, tem a ver com essa política feita no cotidiano, não necessariamente no momento das eleições, e que diz respeito às práticas rotineiras de atuação das associações e organizações com as pessoas e os lugares. Esse é o problema mais de fundo, me parece – que é mais prosaico e ao mesmo tempo mais difícil de enfrentar. Como é que você garante a construção de um lugar de convívio quando as pessoas estão armadas?
[IG] Vocês falam que o mapa deveria ser um “instrumento básico de trabalho da gestão pública”. Ao ela não fazer – ou não divulgar – este mapeamento, é possível falar de uma radicalização da já característica discricionariedade e falta de transparência da política pública no Brasil? Vocês falam da possibilidade de “implementação de políticas públicas que de fato sejam capazes de trazer paz e qualidade de vida para a população”. Mas elas mesmas não seriam partícipes desta espécie de “condominialização” da cidade? Vocês mostram isso a partir da política de segurança, em relação às incursões policiais, mas também os grandes conjuntos habitacionais periféricos fazem parte disso, produzindo segregação, ou a própria discricionariedade das políticas de educação e saúde formando espécies de condomínios fechados sociais.
[DH] Se eu entendi bem a sua pergunta, eu acho que sim. Mas acho difícil a gente avançar a hipótese para uma intencionalidade voltada para um grupo específico – e isso é uma dúvida mesmo. Não sei se a gente consegue cercar a questão de maneira segura. Por exemplo, aquele momento de construções no RJ para os mega eventos, quando tinham uma série de investimentos, fundos públicos sendo dirigidos para empreendimentos públicos e privados – equipamentos, serviços, expansão urbana. É difícil a gente conseguir afirmar que houve uma atuação para favorecer as milícias, por exemplo. O que a gente consegue dizer é que o efeito foi esse. Porque as milícias estavam em lugares que tiveram uma valorização imobiliária bastante importante por meio desses investimentos.
[IG] Penso por omissão também, quando o poder público não está previamente nos lugares de expansão, abre espaço para isso.
[DH] Sim, é por aí. Só não sei se consigo estabelecer nexos de intencionalidade. Mas que a lógica de funcionamento das milícias se alimenta de mercados não regulados – no sentido de não ter uma mediação efetiva pública (tem presença pública, mas não mediação) na construção da habitação, na implantação do transporte, serviços e equipamentos urbanos –, eu acho que isso com certeza. O modelo das milícias é predatório, é pilhagem de fundos públicos, elas funcionam como parasitas dessa atuação estatal. Há uma afinidade que é bastante evidente entre essa maneira de se produzir política – neoliberal, financeirizada, se quiser chamar assim – e a forma de funcionamento da milícia, que tem a ver com mercados não regulados, ou sem mediação pública, ou seja, tem a ver com pilhagem e extrativismo urbano. Com certeza podemos estabelecer esta relação porque é o modelo de negócios deles. Se tivéssemos efetivamente políticas universais, políticas estruturadas a partir da ideia de que os mercados tem que ser competitivos etc., acho que a gente não favoreceria tão fortemente este modelo de negócio das milícias.
[IG] Isso não tem a ver com o que falamos anteriormente, ou seja, o fato de não ter um controle comunitário ou participativo das políticas públicas? Voltando ao Eder Sader: os territórios populares foram importantes no momento da redemocratização, a organização comunitária como lugar de invenção de novos direitos, que não existiam antes. A discricionariedade da política pública também tem a ver com a perda de contato com a população e suas reivindicações.
[DH] Tem tudo a ver. Porque se, por um lado, tem esse modelo econômico extrativista e predatório, por outro lado tem um modelo político autoritário, sem dúvida nenhuma. E essas coisas estão intimamente associadas. E, pra fique bem claro o que estou querendo dizer: não é que o tráfico de drogas não era autoritário nas suas práticas, não é disso que se trata. Mas do fato das milícias terem uma interface, uma penetração no Estado muito maior, e isso vai corroendo a institucionalidade estatal. Então isso vai desde o bloqueio à formação de associações comunitárias mais independentes, autônomas, até a constituição do Estado. Ou seja, tem um fio autoritário que conduz uma coisa à outra. É isso que as milícias produzem muito fortemente: tem um modelo de política autoritária. O que não quer dizer que o tráfico de drogas não seja também autoritário nas suas práticas, mas a atuação das milícias é de outra dimensão.
[IG] Fala para a instituição de uma maneira diferente do tráfico…
[DH] Exatamente, a institucionalidade e a relação local, territorial, também. Essas duas pontas da mediação política propriamente dita. Tem uma questão aí que é muito complicada, se pelas duas pontas você tem uma atuação mais coercitiva, impositiva, exclusivista – como é o caso das milícias. Do meu ponto de vista, esse é o grande nó que nós estamos envolvidos. O RJ sempre foi, como dizia o Chico de Oliveira, a “vanguarda do atraso” – ele não estava se referindo ao RJ, mas acho que cabe bem. As milícias são uma formação muito bem acabada dessa vanguarda do atraso que se expressa nesse modelo extrativista e autoritário. Que nós temos todos os ingredientes para que isso ocorra nos outros estados brasileiros, me parece uma coisa evidente também.
[IG] A população em “sub-bairros” do “asfalto” – local que vocês demonstram ser de maior domínio das milícias – não poderia ser classificada, grosso modo, como aquela população entre 3 e 5 sm, a chamada “classe média” de ascensão no período Lulista e que hoje, nas eleições, é uma faixa importante dos votos em Bolsonaro? Vocês também mostram que o crescimento das milícias junto à ascensão bolsonarista pós-2018 é claro. Como estas coisas estão objetivamente interligadas? Trata-se do antigo curral eleitoral ou realmente há uma mudança social e cultural em curso nesses territórios? Pode-se dizer que, mesmo sem Bolsonaro no poder, o domínio deste tipo de política permanece nos territórios populares?
[DH] Sim, com certeza. Na medida em que nós estamos falando de processos sociais, políticos e econômicos profundos, não dá para imaginar que a simples troca da Presidência da República vai resolver a questão. É evidente que ajuda a gente não ter o apoio – ou a tolerância – do governo federal sobre esses grupos, o que já é um primeiro passo. Mas para reverter isso, me parece que a gente precisa ter um projeto de país, um projeto econômico, social e político bastante diferente para que a gente pudesse pensar outras formas de interface entre essas pessoas que estão morando nesses lugares. Esse é um ponto importante que não diz respeito à área da segurança pública.
Isso é que é fundamental, e eu venho repetindo isso insistentemente: tem uma questão que é como estamos construindo as nossas cidades, quais espaços públicos estão sendo disputados e de que maneira, e isso não tem a ver necessariamente com a área de segurança pública. É um trasbordamento de questões que tem a ver com segurança pública, mas que não vão se resolver no interior da segurança pública. A gente não vai resolver a questão democrática brasileira através da área de segurança pública. São outras coisas que estão envolvidas. Essa questão dos grupos armados é fundamental para a questão democrática, mas a gente tem plena consciência de que isso só vai poder ser resolvido, ou pelo menos a gente avançar um pouco mais nesse campo, se a gente articular isso com outras dimensões. Fundamental que a gente traga isso para o debate como uma variável que não é a única e que talvez nem seja a mais importante.
Porque a gente precisa garantir que as pessoas vivam, se reproduzam socialmente, ajam politicamente de forma diferente – esse é o ponto. Ou seja, sair dessa lógica expansiva de neoliberalismo de corte autoritário. É uma questão muito maior do que a área da segurança pública. A gente tem que conseguir encontrar formas de inserção econômica das pessoas, formas de participação política de outra natureza, essa é a questão principal. É o desafio maior também, e que não se restringe só ao RJ, nem só ao Brasil. Precisamos botar nossa imaginação política para funcionar para além das dimensões imediatas, é o desafio para os próximos anos, na melhor das hipóteses. Na pior, a gente vai se afundar nessa lama. Teremos que ter imaginação, e ela necessariamente vai vir da participação de um monte de gente que está fora dessas instâncias decisórias e representativas, para a gente conseguir oxigenar e não fingir que estamos num mundo que já não existe mais. O mundo ruiu, a gente tem ruínas de capitalismo, uma casca quebrada de democracia liberal, e não adianta achar que seguindo velhas receitas, nesse novo mundo que se abriu, a gente vai conseguir superar o problema. Mas quanto a isso, é só o processo político que pode trazer as respostas, não vai ser eu, certamente.
Excelente entrevista!
Fiquei com três questões.
A primeira é sobre a agregação das milícias como um bloco e a desagregação do tráfico em organizações específicas. Isso ocorre pois sabe-se melhor as diferenças entre os comandos e menos entre as milícias? Ou do ponto de vista da disputa territorial isso se justifica? Os grupos milicianos não disputam entre si, ou ainda a forma de ocupação que eles exercem é muito semelhante, enquanto a do tráfico varia de acordo com grupo?
A segunda questão é o critério para considerar uma área sobre domínio. As seguranças privadas com ligações ao aparato estatal são muito atuantes no centro e na zona sula carioca, isso ganhou um destaque maior agora com o recente caso do roubo encomendado na Lapa, mas não é de hoje que comerciantes são extorquidos em Ipanema ou Copacabana para pagar taxas como essas. Isso entraria como área controlado, ou esse domínio ainda é considerado incipiente?
Por fim a terceira questão tem a ver com parte de uma entrevista recente do Raúl Zibechi, em que ele fala da importância dos espaços de convivência da classe trabalhadora para sua organização política, que não se daria apenas no espaço sindical, mas a partir da construção desses laços nos territórios. Seguindo esse raciocínio cabe se pensar em que medida o domínio armado de setores da cidade não seria apenas desmobilizador de mobilizações da assim chamada luta urbana, mas também produziria um efeito na desorganização de demais mobilizações da classe.
Cara Isadora, considero esta entrevista um patrimônio da esquerda. Algo com o qual devemos refletir profundamente. Perdoe-me o anonimato, deve entender que esse debate exige certa discrição, mas gostaria de saber sua opinião ou considerações acerca do avanço das facções atreladas ao fundamentalismo religioso. Há pouco tempo, deixou de ser uma mera caricatura no discurso dos traficantes o fator religioso e passou-se a fazer da fé políticas de controle. No Morro do Dendê, no Rio de Janeiro, há poucos anos atrás o chefe de uma facção criminosa mandou depredar um terreiro de candomblé e atitudes como essa se prolongaram e expandiram para outras regiões. Em uma favela em que convivi era proibido comemorar o dia de São Cosme e Damião, pois o chefe da facção que comandava a região era evangélico. A nova moda agora é a política pela provação: o Complexo de Israel(https://extra.globo.com/casos-de-policia/traficantes-evangelicos-fecham-pacto-com-milicia-para-expandir-complexo-de-israel-24821015.html e https://revistaforum.com.br/brasil/2021/1/3/traficantes-evangelicos-do-complexo-de-israel-no-rio-proibem-religies-afro-brasileiras-88852.html) promete aliar domínio territorial com extensão dos limites da fé. Somado a isso podemos lembrar que o último censo do IBGE(2010) registrou que no Brasil o número de católicos é 3x maior do que o de evangélicos, mas no Rio de Janeiro, o número de evangélicos é de mais de 4 milhões, enquanto pouco mais de 7 milhões se identificam como católicos. Foram ignoradas aqui as outras religiosidades cristãs, porque se está considerando o público evangélico-católico como identidade. Quanto aos extratos da classe trabalhadora, nota-se que entre os entrevistados (ou registrados por terceiros) a maioria absoluta da população fluminense recebe entre meio e 2 salários mínimos. Se cheguei até aqui com esses dados (extraidos daqui: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/pesquisa/23/22107) foi porque a suposição que faço é que essa tendência de as facções buscarem no ímpeto religioso, seja como desculpa ou como mérito, sua legitimação de domínio, isso pode ditar os limites de atuações progressistas nesses territórios, visto a reprovação das influências religiosas locais e a adesão destas influências pela classe trabalhadora situada majoritariamente abaixo de dois salários mínimos, ou seja, compondo desde o grande proletariado de serviços, os microempresários da economia informal e os trabalhadores just-in-time. Não vivemos em um paraíso onde as igrejas de toda esquina professam a teologia da libertação, então fica tudo muito confuso sobre o caos em que estaremos pisando nas lutas por território em diante. A entrevistadora, o entrevistado, os editores ou os comentadores teriam alguma consideração sobre esse assunto?
Uma toupeira traçou o quadro da base material (social) do futuro do Brasil: sistema jagunço e fundamentalismo religioso controlando a massa proletária urbana. E essa base social/material está atrelada à ascensão do neofascismo no Brasil. E a tendência tem sido de aprofundamento nessa direção. Mais milícias urbanas, mais fundamentalismo religioso. As expectativas de futuro são as piores possíveis.
LL,
Sobre suas duas primeiras questões, deixo para o entrevistado responder, que entendo serem questões de metodologia da pesquisa, que não domino. Repassarei a ele. Sobre a terceira questão, sem dúvida este cenário não é uma má notícia apenas para as lutas urbanas, mas para a mobilização de classe no geral. Tenho tentado desde o início das minhas colunas aqui no PP demonstrar que lutas urbanas não são um mundo à parte em relação às demais lutas, em particular às lutas relacionadas ao mundo do trabalho. Inclusive, as dinâmicas do mundo do trabalho estão cada vez mais orgânicas às dinâmicas urbanas, com o avanço da crise da forma “clássica” de trabalho e suas transformações recentes num mundo de dominância financeira cada vez maior, onde formas de rentismo se combinam com formas simples de assalariamento. Isso se mostra também nas lutas: as mais recentes mobilizações de trabalhadores de aplicativo demonstram que as dinâmicas urbanas estão muito mais presentes dentro das articulações políticas dos Breques do que, muitas vezes, dinâmicas sindicais ou de luta por salário (como desenvolvi aqui: https://passapalavra.info/2021/09/140312/ ). Quando falamos de ascensão de um “neofascismo”, como comenta Leo V aqui, não se trata apenas de modificações dentro do mundo do trabalho e, neste sentido, as dinâmicas urbanas são fundamentais para entender e incidir sobre esse cenário.
Uma Toupeira,
As questões que você coloca são centrais e a falta de mais estudos sobre este fenômeno – da relação entre igrejas evangélicas e grupos armados – por parte da esquerda só demonstra o quanto estamos afastados das dinâmicas populares que estão dando boa parte do direcionamento da dinâmica de poder no país. Sobre sua hipótese, ela é válida não apenas porque há, por parte das forças “progressistas”, uma “reprovação das influências religiosas locais”, mas principalmente porque as novas dinâmicas populares dos territórios da classe trabalhadora no geral são ignoradas por estas “atuações progressistas”, via de regra associadas a uma luta por direitos sociais deslocada da realidade da população – que consegue emprego, acesso à educação e à moradia não pelo Estado, mas pelos agenciamentos locais entre mundo do crime, igrejas, mercado informal e ativismo empresarial. Se na esfera de cima as políticas públicas se transformam em Parcerias Público-Privadas, na esfera de baixo os direitos são serviços prestados por uma enorme rede de forças variadas, de caráter privado e privatista, muitas vezes armado, o que dificulta e muito a mobilização coletiva. Ou, melhor dizendo: altera as formas de sua mobilização, com a necessidade de novas estratégias para lidar com uma realidade reconfigurada. As igrejas evangélicas e sua ideologia da prosperidade estão dentro desta conjuntura, e sua articulação com grupos paramilitares armados configura um cenário proto-fascista – como comenta aqui Leo V – que não será a eleição presidencial que redimirá. Precisamos urgentemente caracterizar este “neofascismo” que Leo V cita, pois se há nele características dos “fascismos históricos”, há especificidades determinantes para começar a construir um enfrentamento sério, que se capilarize nos territórios.